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Pesquisa de Referência

Pesquisa de Referência

1.Documentação: Base de dados

Calunga

 

CARACTERÍSTICAS

atributos físicos externos, observáveis, superficiais

A calunga pode ser caracterizada como uma pequena boneca negra, que em manifestações como reisados, congos etc., durante o século XIX, era feita de madeira (MARQUES, 2008, p. 133). Já, segundo Silva “Antigamente as bonecas eram feitas de panos, hoje elas são bonecas de plástico.” (2004, p. 129)

 

Identificada como componente dos cortejos de Maracatu tanto no Ceará como em Recife, a boneca geralmente é vestida com saias rodadas e um tubante. Podemos verificar um pouco dessa forma da boneca através da loa Boneca Negra:

 

Boneca preta do maracatu

Boneca preta do maracatu,

Boneca, preta do maracatu,

Boneca preta do maracatu

 

Ela vem de Luanda

De saia rodada

Pisou no terreiro,

Caiu na Congada

 

Boneca preta do maracatu,

Boneca, preta do maracatu,

Boneca preta do maracatu

Boneca preta do maracatu,

(COSTA, 2009, p. 49)

 

Assim, através da loa, confirmamos a tonalidade da pele da boneca e sua vestimenta, o vestido rodado. No que toca à tonalidade da roupa da boneca, ela apresenta-se extremamente variável, mas geralmente a mesma aparece de branco.

 

TEMPORALIDADE

Quando e onde viveu –atuou

A Calunga, entre suas muitas denominações, é principalmente uma entidade, força metafísica da tradição religiosa africana. Desta forma não podemos precisar sua temporalidade, porém a mesma apresenta-se no contexto da cidade de Fortaleza e no do Estado do Ceará juntamente com as manifestações realizadas pela população negra no Estado. Desta forma, podemos identificar sua presença desde o século XIX, período em que as manifestações de raízes negras ganham espaço no meio social, mesmo que sendo visto de forma pejorativa pelos memorialistas.

 

PERSONALIDADE

qualidades e defeitos que outras pessoas associam a ele (imaginário)

Refletindo sobre o papel assumido pela calunga, sua “personalidade”, torna-se interessante presenciarmos algumas visões de praticantes dos cortejos de Maracatu sobre o componente do cortejo “calunga”. Por exemplo, aqui optamos por expressar a entrevista concedida pelo presidente do Maracatu Nação Baobab à pesquisadora Ana Cláudia, na qual podemos verificar peculiaridades que por vezes os discursos “oficiais” presos aos rigores da academia deixam perpassar:

 

Na minha opinião maracatu é um cortejo africano de uma visita de uma nação a outra, onde a calunga estava no meio do cortejo que era levada por uma moça virgem que não estivesse mestruada naquele dia para levar a calunga. Ela levava toda a ciência daquela nação tanto para o bem como para o mal. Muita gente diz que a calunga traz felicidade, mas porque ela tá ali indo num cortejo do bem, de alegria e não num cortejo do mal, porque ela está ali representando uma folia, uma grande animação. (SILVA, 2004, p. 129-130)

 

Através do relato podemos perceber a visão da calunga no cortejo como um elemento concentrador do poder e do conhecimento da tradição africana, no caso, identificada nas peculiaridades das nações. Ou seja, a calunga sendo a representação que liga diretamente os vivos aos mortos, às tradições dos antepassados, ela também figura no cenário da cultura africana como elemento detentor de poder de ação transformadora, carregando consigo os saberes dos antepassados e intermediando a morte com a vida, o passado com o presente.

IDENTIDADE

Ações atividades (imagens )

A calunga nos cortejos do maracatu assumem a já expressada especificidade, como sendo um elemento representativo da passagem da vida para a morte. Além desta sua identificação, no cortejo “a calunga, também chamada de boneca[...] encarna as divindades dos orixás, recebendo na cabeça os axés” (SILVA, 2004, p. 36). Assim a calunga é a expressão mais forte da religiosidade africana presente no cortejo de maracatu, junto com balaieiro. Portadora de grande força religiosa, a calunga age como ente protetor dos cortejos de maracatu e de seus participantes.

 

Para Danielle Maia, responsável pelo estudo de Registro do Maracatu Cearense como patrimônio imaterial de Fortaleza,

 

A calunga tem grande valor e agência simbólica no maracatu. Trata-se de uma pequena boneca infantil pintada de preto e adornada com acessórios diversos. É carregada na mão de uma integrante com vestimentas de mesmo modelo, e, à medida que a personagem dança, a boneca é exaltada com movimentos leves. Outras vezes, as calungas são postas sobre a cabeça de várias integrantes da ala. Como ao longo da descrição acima, percebemos o valor simbólico que a calunga pode ter para alguns grupos, sendo uma figura que remete à noção de sabedoria. (CRUZ, 2015, p. 42)

 

Desta forma, o significado e a importância da calunga em meio aos traços da cultura africana no Estado é de extremo valor para a sociedade cearense, principalmente para a parcela que vive intimamente o significado e a tradição africana que este componente do cortejo do maracatu traz.

VÍNCULOS

Ligações com a cidade e a história (contexto= imaginário+imagem)

A calunga, entendendo-a como boneca com expressiva significação para a cultura africana, principalmente nos domínios religiosos de tal cultura, mostra-se presente na história do Estado do Ceará quando percebemos as trajetórias de manifestações festivas e religiosas no Estado.

 

Tais manifestações têm lugar na história cearense já no início do século XIX, quando já aconteciam cortejos de negros e demais práticas pela cidade de Fortaleza. Neste século o termo calunga assumia alguns significados no contexto social de Fortaleza, dos quais Marques nos indica que

 

[…] percebe-se que 'calunga' era uma palavra de origem banto utilizada por munícipes fortalezenses para se referir a uma boneca ou a um boneco. Mas, 'calunga' também era empregado com tons pejorativos, inclusive com sentido que tocava o mundo do sagrado, quando se queria atingir um adversário político. (2008, p. 195-196)

 

Ainda segundo o mesmo autor, a calunga teria um papel legitimador nos cortejos de maracatu, evidenciando o poder do rei coroado (Idem, Ibdem, p. 196)

 

Portanto, a calunga é representante do momento social de sua temporalidade no século XIX, onde os aspectos advindos de culturas marginalizadas eram vistas de forma pejorativa pela sociedade, regida por uma elite desejosa de afirmar sua ligação com as raízes europeias “responsáveis”, numa idealização da elite, pela formação da sociedade cearense. Muito deste modo de se entender a calunga e as práticas de raízes africanas ainda persistem, muito em decorrência de um imaginário social que opõe os elementos das culturas africanas aos elementos da cultura ocidental-cristão, onde a concepção maniqueísta impera na mentalidade social.

REPRESENTAÇÃO

As representações e significados do termo calunga são múltiplas, porém, a sua representação mais forte é a que a boneca negra assume como sendo a representação identificada, para a cultura africana, como “símbolo sagrado africano ligado à passagem da vida para a morte” (MARQUES, 2008, p. 45). Neste sentido, é interessante pontuarmos que a significação da calunga ligada à religião e seu significado com a morte, gira no âmbito de compreendermos a sua representação apenas numa dimensão de transição de vida para a morte, e não entendê-la apoiado na cultura cristã de uma passagem da vida para a morte com expectativas de crença em retornos, transição entre a vida e a morte, esperanças de ressurreição.

 

Ainda para Silva

 

[…] os africanos associavam a palavra Kalunga à morte e ao mundo dos mortos, um jeito muito diferente do nosso, vale dizer, da cultura ocidental, sobretudo de nossos dias, para a qual o cemitério – morada dos mortos – é um lugar triste e assustador, enquanto para os povos citados, kalunga era o que tornava uma pessoa ilustre e importante, porque mostrava que ela tinha incorporado em sua vida a força de seus antepassados, sendo assim que agiam os reis, que só governavam enquanto eram capazes de manter seu povo unido em torno dessa força comum dos antepassados. Por isso, no cortejo dos reis e rainhas dos maracatus, sempre foi obrigatória a presença da boneca que chamam calunga, como símbolo da realeza africana e do poder dos ancestrais [...] (SILVA, 2015)

 

A boneca também pode ser representação de poder em meio aos cortejos, sejam dos Irmãos Negros do Rosário, dos congos ou dos maracatus. Assim, “Percebe-se que, além de representar uma extensão de água, a calunga era a fonte da autoridade e do poder do chefe ou rei que detinha sua custódia.” (MARQUES, 2008, p. 197).

 

 

 

REFERÊNCIAS:

 

CARNEIRO, M. H. T. M. Reis, rainhas, calungas, balaios e batuques: imagens do Maracatu Az de Ouro e suas práticas educacionais. Dissertação (Mestrado Acadêmico em Educação) UFC. Fortaleza: 2008.

 

COSTA, G. B. A Festa é de Maracatu: Cultura e Performance no Maracatu Cearense 1980-2002. Dissertação (Mestrado Acadêmico em História) UFC. Fortaleza: 2009.

 

CRUZ, D. M.. Registro do maracatu cearense - Relatório Técnico. 2015. (Relatório de pesquisa).

 

MALANDRINO, B. C. Espaços de hibridações e diálogos culturais: o caso bantú. Rever (PUCSP), v. ano 9, p. 1-18, 2009.

 

MARQUES, Janote Pires. Festas de negros em Fortaleza: territórios, sociabilidades e reelaborações (1871-1900). Dissertação (Mestrado em História Social) UFC. Fortaleza: 2008.

 

SILVA, Ana Cláudia Rodrigues da. Vamos Maracatucá: um estudo sobre os maracatus cearenses. Dissertação (Mestrado em Antropologia) UFPE. Recife: 2004.

 

SILVA. M. J. Kalunga: origens e significados (parte 1), 2015. Disponível em: <https://www.dm.com.br/opiniao/2015/04/kalunga-origens-e-significados-1a-parte.html> . Acesso em: 08 de mar. 2016.

 

_______________. Kalunga: origens e significados (final), 2015. Disponível em: <https://www.dm.com.br/opiniao/2015/04/kalunga-origens-e-significados-final.html>.

 

Acontecimentos - Bode Ioiô

 

NEVES, Frederico de Castro. Curral dos Bárbaros: os Campos de Concentração no Ceará (1915 e 1932). Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 15, n.o 19, p. 93-122, 1995.

 

1909: Criação da IFOCS → mudança para DNOCS em 1919 → centralização dos serviços de assistência

1915: migração para Fortaleza

Segunda metade do séc. XIX: seca como problema social de governantes, burgueses, intelectuais e técnicos levados pelo desejo de progresso e modernização (NEVES, 1995)

Seca de 1915: Criação de uma nova instituição → os campos de concentração para controlar e impedir que os flagelados ocupassem as áreas da cidade e aproximação com o trabalho das obras públicas → “Temia-se o furto e a prostituição, na certeza de que a fome é um campo propício para o desenvolvimento de perversões éticas de todo tipo” e de loucura (NEVES, 1995, p. 99)/ Campo de Concentração do Alagadiço

 

“Os campos eram áreas cercadas e vigiadas por homens armados, sob o comando do prórpio Chefe de Polícia, na capital, e dos Prefeitos, que na época eram oficias nomeados pelo Interventor Federal no estado [...]” (NEVES, 1995, p. 114) → pesquisar se esta preocupação foi reforçada apenas na década de 1930

“Através dos campos, os camponeses tomaram contato com um novo universo de sentidos e de instituições que, a partir de então, procuram regular a ordem do social. Em todas as dimensões da vida – no trabalho, na segurança, na construção de moradias, na higiene pessoal, na medicina – estabelece-se um novo princípio de ordenamento das atividades sociais, baseado num poder exterior e inalcançável: disciplina hierárquica.” (NEVES, 1995, p. 115)

“Em 1915, poucas descrições, quase sempre de caráter geral, que alcançavam o Campo de um só golpe, ressaltando suas relações com a cidade apavorada. A preocupação reinante é entender este momento, situar-se nele, buscando na moral e na ética as justificativas para o relacionamento com a tragédia dos invasores da cidade.” (NEVES, 1995, p. 117)

 

As secas anteriores causaram terror na população e paralisou o comércio (NEVES, 1995)

Campo de Concentração → terminologia cientificizada → “curral” (popular) (NEVES, 1995)

 

 

MELO, Leda Agnes Simões de. O trabalho em tempos de calamidade: a Inspetoria de Obras nos Campos de Concentração no Ceará (1915 e 1932). Dissertação (Mestrado Acadêmico em Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade). Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal Rual do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.

 

1909: Criação da Inspetoria de Obras Contra as Secas (IOCS)

1915: Criação do Campo de Concentração do Alagadiço

1920: IOCS torna-se Inspetoria Federal de Obras Contras as Secas (IFCOS) → construção de açudes e estradas de ferro → amenização das secas e ocupação dos retirantes para evitar as aglomerações na cidade → discurso do trabalho como assistência complementar e contra o ócio

 

“O primeiro de 1915 foi chamado de campo do Alagadiço, criado pelo governador do Ceará Benjamim Barroso. O Alagadiço era um terreno arborizado e cercado, de propriedade do Sr. João de Pontes Medeiros, cedido para se tornar o local onde se colocaram os sertanejos para receberem ajuda do governo e obterem trabalho por meio da Inspetoria de Obras Contra as Secas (IOCS). Os retirantes acabaram ficando expostos a esmo em “abarracamentos”, debaixo de cajueiros deste terreno, de modo que, concentrados, não perambulavam pelas cidades e poderiam ser enviados para as obras públicas. Em 1932, sob a gestão da Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas (IFOCS) e aval do ministro da Viação e Obras Públicas José Américo de Almeida e do então presidente do Governo Provisório Getúlio Vargas foram criados sete campos de concentração espalhados por diversas áreas do Ceará: Crato chamado campo do Burity, Senador Pompeu chamado campo do Patú, Quixeramobim, Cariús, Ipú e dois no centro de Fortaleza, chamados Urubu (ou Pirambú) e Tauape (antiga feira do Matadouro Modelo), de modo que contemplassem sertanejos de diversos locais, não permitindo também que pudessem migrar para a capital e ficassem a esmo pelas cidades do litoral. Estes sete campos foram mais organizados do que o campo de concentração do Alagadiço, os retirantes eram alistados e deveriam permanecer neles para se deslocarem, principalmente, para as obras públicas para obterem trabalho. Muitos desses campos incluindo, principalmente, o de Senador Pompeu, onde existem ainda atualmente os resquícios de suas estruturas, os retirantes ficavam confinados em um casarão e não debaixo dos cajueiros, em barracas, como em 1915.” (p. 6)

 

Conflito entre a inspetoria e os fazendeiros que não queriam perder seus trabalhadores → A inspetoria tinha que negociar com a elite local para conseguir mão-de-obra para as obras do governo

 

Campo como espaço disciplinador e doutrinário (“regeneração” dos indivíduos “inferiores”) → modernização, aformoseamento das cidades e mudança do espaço social (exclusão e segregação)

 

Continuar da p. 10.

 

 

AZEVEDO, Miguel Ângelo de (NIREZ). Cronologia ilustrada de Fortaleza: roteiro para um turismo histórico e cultural. Fortaleza: Banco do Nordeste, 2001.

 

ANO

FATO

1915

-Estiagem;

-73.223 habitantes.

1916

-11 de novembro: Comissão Rockfeller (Juan Guiteras e Henry Carter) para o estudo sobre a febre amarela;

-Inauguração do Cemitério São Vicente de Paula no Mucuripe;

-74.330 habitantes;

-Regularização das chuvas.

1917

-Fundação do Dispensário dos Pobres por D. Manuel da Silva Gomes e mantido pela Liga das Senhoras Católicas no Outeiro da Prainha;

-Inauguração de nova linha de trens partindo do Jacarecanga até o Benfica (na Carapinima) e desativação da linha da Tristão Gonçalves no Centro;

-Fundação do Patronato Maria Auxiliadora pela Liga das Senhoras Católicas;

-Inauguração das Estações Ferroviárias de Barro Vermelho (Antônio Bezerra) e de Soure (Caucaia);

-15 de novembro: Fundação da filial da Cruz Vermelha Brasileira em Fortaleza;

-75.454 habitantes.

1918

-24 de maio: Inauguração da Estação Ferroviária da Pajuçara;

-Epidemia da influenza espanhola;

-76.595 habitantes.

1919

-1.o de junho: Chegada da missão médica para a prevenção da febre amarela (chefia de Dr. Oliveira Borges);

-26 de junho: Inauguração do Dispensário dos Pobres na rua Senador Jaguaribe,mantido pela Liga das Senhoras Católicas;

-Peste bubônica: 135 casos com 34 mortes registrados;

-Concluída a construção do Açude Acarape sob a coordenação do DENOCS para abastecer Fortaleza;

-Diminuição das chuvas. Considerado ano de seca.

1920

-7 de abril: a Rede de Viação Cearense (RVC) passa a ser administrada pela IFOCS;

-78.536 habitantes.

1921

-11 de junho: Fundação da União Beneficente de Trabalhadores Ambulantes de Fortaleza na Castro e Silva;

-81.160 habitantes (as prefeituras de Messejana e de Parangaba foram anexadas à de Fortaleza);

-Considerado ano de muitas chuvas.

1922

- 104.852 habitantes.

- 30 de novembro: Inaugura-se a parada ferroviária no Matadouro, atual Estação Ferroviária Otávio Bonfim.

- São terminadas as obras do Açude Jangurussu, construído em Messejana pelo DNOCS.

- Fortaleza recebeu chuvas que medidas pelos meteorologistas tiveram o índice de 1675 milímetros.

1923

- 107.357 habitantes

1924

- 30 de setembro: criação da repartição de Saneamento e Obras Públicas do estado do Ceará;

- 109.922 habitantes

1925

- 112.549 habitantes

1926

- 24 de fevereiro: a estação ferroviária Matadouro passa a se chamar Otávio Bonfim;

- 03 de maio: é inaugurado oficialmente o serviço de abastecimento de água em Fortaleza;

- 12 de outubro: Inaugura-se a Estação Ferroviária da Floresta;

- 14 de novembro: é lançada a pedra fundamental da Igreja de Santa Teresinha, no Arraiá Moura Brasil;

- 115.239 habitantes.

1927

- inauguração do Centro Espírita Fé, Esperança e Caridade no bairro do Pirambu;

- 117.995 habitantes.

1928

- 120.817 habitantes.

1929

- 123.707 habitantes.

1930

- 126.666 habitantes.

1931

- 129.827 habitantes.

 

 

2.3 Lugares

 

 

PASSEIO PÚBLICO

TRAJETÓRIA

Conhecida também como Praça dos Mártires, o Passeio Público foi inaugurado em 1880. Construído no terreno do antigo Campo da Pólvora, o lugar também foi conhecido como Campo ou Largo da Misericórdia e Largo do Paiol, dentre outras denominações. A edificação do Passeio Público fez parte de um conjunto de obras feito entre meados do século XIX e XX em Fortaleza, durante um processo de expansão urbana que gerou a necessidade de criar espaços de sociabilidade e lazer para as famílias do Centro. O Passeio sofreu muitas reformas e foi dividido em três planos, de acordo com a classe social dos frequentadores:

 

“No seu primeiro plano, o Passeio Público, denominado de Avenida Caio Prado, recebeu estátuas de esculturas clássicas, jardim, café-bar, coreto e iluminação. Passou a reunir-se ali, a elite da cidade. O segundo plano chamado de Avenida Carapinima, era bastante arborizado, possuía uma cascata artificial e um lago com a estátua de Diana (deusa da caça) no centro, um cassino com bar e bilhares (Cassino Cearense), que depois foi transformado em praça de esporte e garagem da 10ª Região Militar. Neste plano, reuniam-se as pessoas de classe média. O terceiro plano, que não chegou a termo, a Avenida Mororó, espaço atualmente cortado pela Avenida Presidente Castelo Branco (Avenida Leste-Oeste), possuía um lago artificial alimentado por um braço do riacho Pajeú, no centro uma estátua de Netuno colocada em 1881, e dois pavilhões para atividade recreativa como nos dois outros planos. Nessas alas se encontravam as pessoas de classe baixa.” (SILVA, 2006, p. 133)

 

O Passeio foi rodeado de grades, teve pista de patinação, chafariz e caixa d’água na Av. Caio Prado, o plano destinado às classes mais ricas. A iluminação ficava por conta dos lampiões à gás carbônico, enfileirados lado a lado. Às quintas e domingos havia retretas1 e a banda do 15º Batalhão do Exército animando até a noitinha. Era local de reuniões, de encontros e conversas.


No início do século XX, com o ajardinamento de outros espaços da cidade, o Passeio Público passou a dividir a atenção dos moradores com outras praças. Na década de 1920, as classes mais ricas buscavam outras formas de lazer e locais mais afastados do Centro, que cada vez mais ia se tornando estritamente lugar de comércio e de aglomeração de pessoas pobres que vinham em busca de melhores condições de vida. Assim, surgiram os clubes, dentre outras formas de lazer, que ficavam mais distantes e, portanto, acessíveis apenas para aqueles que tinham automóvel. Concomitante ao esvaziamento do Centro, o crescimento da prostituição e de moradores de rua no local, aos poucos o Passeio Público e outros áreas de lazer da área central foram sendo esquecidos. Em 2007, a Prefeitura de Fortaleza, por meio da FUNCET realizou um restauração da praça que incluiu a recuperação do gradil, dos bancos, dos monumentos, dos bancos e das fontes, além de um novo projeto de iluminação.

CONSTRUÇÃO

Edificação iniciada em 1864. Inaugurado em 1880.

CARACTERIZAÇÃO

Historicamente, a praça sempre foi um espaço de encontros e discussões. As reformas no espaço urbano no final do século XIX e início do século XX, em Fortaleza, seguiam o modelo de civilidade europeu, e a instalação de equipamentos urbanos é que atribuem grau de importância de uma cidade. As reformas funcionavam como medidas de modernização urbana e de controle e disciplinarização dos usos do espaço urbano. A ideia de construir espaços públicos no Brasil para a sociabilidade vem dessa influência europeia. Assim, o Passeio Público representa essa influência tanto pelas intenções de sua construção quanto pela característica de distinção social.

 

 

BIBLIOGRAFIA

 

GIRÃO, Raimundo. Fortaleza e a crônica histórica. – 2ed. – Fortaleza: UFC, Casa de José de Alencar Programa Editorial, 1997. (Coleção Alagadiço Novo)

 

LOPES, Francisco Willams Ribeiro. A “requalificação” do patrimônio: intervenções, estratégias e práticas na Praça dos Mártires (Passeio Público) de Fortaleza. Dissertação (Mestrado). Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2013.

 

NETTO, Raymundo. Centro: o coração malamado. – Fortaleza: SECULTFOR, 2014.

 

SILVA, Elizete Américo. Espaços públicos e territorialidades: as praças do Ferreira, José de Alencar e o Passeio Público. Dissertação (Mestrado). Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2006.

 

SOUSA, Natália Maia. Memórias da cidade: representações de Fortaleza no Museu do Ceará. Dissertação (Mestrado) em Sociologia. Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2011.

 

SOUZA, Antônio Gilberto Abreu de. Arquitetura Neoclássica e Cotidiano Social do Centro Histórico de Fortaleza - da Belle Époque ao ocaso do século XXI. Tese (Doutorado). Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2012.

TEIXEIRA, Clotildes Avellar. Marchinhas e Retretas: História das corporações musicais civis de Belo Horizonte. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.

 

 

 

 

PRAÇA DO FERREIRA

 

TRAJETÓRIA

Antes da sua efetivação, o espaço era lugar de aglomeração de pessoas que frequentavam a Boutica do Ferreira (por isso o nome como até hoje é conhecida a praça) ou a Feira Nova no início do século XIX. Por ser considerada área central da cidade, aos poucos, as atividades comerciais da praça da Sé foram sendo transferidas para lá. Em 1843, o espaço foi oficialmente instituído como praça. Foi conhecida como praça Municipal e praça Pedro II.

 

Nas décadas de 1880 e 1890, em decorrência da remodelação de Fortaleza, inspirada no modelo parisiense como símbolo de de civilidade e modernidade que influenciou a arquitetura, a literatura e o modo de vida fortalezense, foram construídos na praça quatro cafés nos quatro cantos da praça estilo chalet francês. O lugar se tornou ponto de chega e partida dos bondes puxado a burros; em seu entorno se localizavam instituições e estabelecimentos públicos; a iluminação era a óleo de peixe.

 

“O Café Elegante ficava na esquina sudeste (rua Pedro Borges com Floriano Peixoto), o Iracema na esquina sudoeste (rua Pedro Borges com Major Facundo), o do Comércio, na esquina noroeste (rua Major Facundo com Guilherme Rocha) e o Java, na esquina nordeste (rua Guilherme Rocha com Floriano Peixoto). A exemplo dos cafés parisienses constituíam-se locus agregador de políticos, intelectuais e boêmios que discutiam temas políticos, literários e do cotidiano.” (SILVA, 2006, p. 86)

 

No Café Java Foi onde nasceu o movimento literário Padaria Espiritual (1892-1898).

 

Até 1902, a praça era um vasto areal cercado de mongubeiras e outras árvores, onde se realizavam feiras, por isso era conhecida como Feira Nova. “Não se revestia sequer de calçamento tosco e apresentava, em sua extensão, manchas irregulares de capinzal” (ADERALDO, 1989, p. 81). Tinha quatro quiosques e uma cacimba no centro, que era utilizada para o abastecimento da população na época, constituindo-se como espaço, também, de sociabilidade em uma época em que não havia um sistema subterrâneo de abastecimento de água para as residências da cidade.

 

Entre 1893 e 1912, durante o período da oligarquia acciolyna no governo do Ceará, na gestão municipal do intendente Guilherme Rocha, considerado um grande admirador da cultura francesa, a praça do ferreira foi cercada com grades, cimentada com piso róseo, foi construído o Jardim 7 de Setembro e preservados os quiosques. Também havia um chafariz com quatro torneiras, um catavento e 28 lampiões a gás no Jardim 7 de Setembro.

 

Os bancos da praça também eram pontos de reuniões dos setores políticos e econômicos:

 

“No início do século XX, os bancos da Opinião Pública, da Democracia, dos Comunistas e o Banco que não teve nome deram o que falar na praça do Ferreira. A inscrição no ladrilho da praça do Ferreira conferia singularidade àquele assento.. Estava lá, estampado em letras garrafais, com um misto de gaiatice e vaidade: O BANCO. (...) Em frente à farmácia Pasteur e cine Majestic, ficava o Banco da Opinião Pública, liderado pelo jornalista Demócrito Rocha. (...) O jornalista Daniel Job e o professor e ex-reitor da Universidade Federal do Ceará, Antônio Martins Filho eram freqüentadores de carteirinha do Banco da Democracia. (...) O Banco dos Comunistas também resiste na figura do octogenário de Alberto Galeno, neto do escritor e poeta Juvenal Galeno. Ex-membro do Partido Comunista do Brasil, ele lembra da perseguição sofrida em 1964, quando os papeadores dos bancos da praça do Ferreira eram confundidos com subversivos. (PAULA, 1999).” (apud SILVA, 2006, p. 91)

 

A história da praça do Ferreira também costuma ser associada ao humor cearense. Havia na praça um cajueiro conhecido como “Cajueiro Botador” por produzir frutos todo o ano. Este também foi apelidado de “cajueiro da mentira” por, entre 1904 e 1920, haver ali uma urna para eleger o maior mentiroso da cidade. O cajueiro foi derrubado na gestão do prefeito Godofredo Maciel, em 1920. Outro acontecimento interessante foi no dia em o povo vaiou o sol. O fato ocorreu em 30 de janeiro de 1942, quando o sol se pôs inteiro para fora das nuvens em um dia em que esperavam que continuasse chovendo.

 

O entorno da praça também oferecia espaços de sociabilidade e lazer que deram ao lugar ainda mais destaque em relação a outros locais. Havia os cinemas Politeama (inaugurado em 1911), Majestic (inaugurado em 1917) e Moderno (inaugurado em 1922) e o Excelsior Hotel (construído em 1931), considerado o primeiro arranha-céu da cidade. Além disso, havia lojas elegantes e a chefatura de polícia.

 

Reforma de 1925 (Godofredo Maciel) – Alamedas laterais foram incluídas para facilitar o trânsito; os quatro cafés e o Jardim 7 de Setembro foram demolidos, deixando o fluxo mais aberto para os pedestres. Essa reforma foi realizada para acompanhar a expansão do espaço urbano, que já incluía o uso do automóvel e dos bondes elétricos, havendo extensão das calçadas e abertura de ruas e avenidas. No centro da praça foi erguido um coreto, longos bancos foram dispostos e o piso recebeu uma nova pavimentação com vistas a promover um espaço urbano pautado na racionalidade.

 

Reforma de 1932 (Raimundo Girão) – Foi retirado o coreto e construída a Coluna da Hora, em estilo art déco, inaugurada em 1934, para melhor regularização das atividade urbanas, já que o relógio representa o maquinismo e a pontualidade. Com a diminuição da função habitacional do Centro concomitante a sua transformação em área basicamente comercial, aos poucos, a praça foi perdendo a frequência de pessoas que iam para passeio.

 

Reforma de 1941-1942 (Raimundo Araripe) – Os pontos de ônibus dos bairros Benfica, Prado e Jacarecanga que tinham paradas ao norte, passam a estacionar a leste, diminuindo o espaço da praça.

 

1946 – Foi demolido o quarteirão onde ficava o prédio da Intendência Municipal.

 

1949 (Acrísio Moreira da Rocha) – Foi construído o Abrigo Central na esquina das ruas Guilherme Rocha e Floriano Peixoto. No Abrigo havia paradas de ônibus, comércio, lanches, bancas de revistas, livrarias, lojas de discos, reuniões profissionais e encontros para discussões de variados assuntos da sociedade e do cotidiano. Foi demolido em 1967, durante a Ditadura Militar.

 

Reforma de 1968-1969 (José Walter Cavalcante) – Com essa nova reforma, o poder público municipal visava impedir a aglomeração de pessoas devido à “ameaça comunista”. Estávamos vivenciando a Ditadura Militar, momento em que o governo intervinha no espaço público com ações que visavam impedir qualquer ameaça à ordem estabelecida. Assim, qualquer aglutinação entre pessoas em espaços públicos podia ser visto pelo poder público como ação subversiva e, de acordo com essa lógica, devia ser detida. Assim sendo, a praça do Ferreira teve retirada a Coluna da Hora, os bancos e as árvores e a iluminação era de baixa qualidade, o que diminuiu bastante a passagem ou a frequência de pessoas no espaço.

 

Reforma de 1991 (Juraci Magalhães) – Com a construção de novas centralidades na cidade e e a transferência de muitas funções públicas do Centro para outros bairros na década de 1970, “O Centro passou, então, a ter uma conotação negativa, representando a marginalidade e a precariedade dos espaços” (BARBOSA, 2006, p. 66). A década de 1990 foi marcada por discussões acerca da revitalização do Centro. Assim, uma nova reforma da praça do Ferreira foi projetada orientada pelas reclamações de lojistas do entorno e de populares que não viam motivo para a praça continuar com a configuração imposta em 1968. Com esta nova reforma, a ideia era reordenar o espaço público e dispor valores simbólicos e referencias da cidade ligados aos séculos XIX e XX, antes da reforma de 1968:

 

1. O poço, do tempo da Feira Nova, foi descoberto como elemento arqueológico;

2. Foram implantadas seis bancas, duas ao sul e quatro ao norte; as do norte são envolvidas por pórticos metálicos, fazendo referência aos quatro cafés demolidos em 1925;

3. No lugar da antiga Coluna da Hora, de alvenaria, foi construída uma outra, de metal, com uma estética inspirada no estilo arquitetônico art déco;

4. A disposição dos bancos e dos canteiros remetem à configuração da praça entre 1933 e 1968, continuando o destaque para o espaço de circulação de pedestre.

 

Por ter “seu desenvolvimento urbano relacionado ao aumento das atividades econômicas a partir da segunda metade do século XIX” (BARBOSA, 2006, p. 72), Fortaleza é uma cidade que necessita de referenciais históricos. A praça do Ferreira, hoje, simboliza não só referências ao passado histórico da cidade como a vontade de comunicar esse passado para o conhecimento da própria história.

CONSTRUÇÃO

Por representarem espaços de centralidade em virtude dos encontros espontâneos ao longo do tempo, é difícil determinar o nascimento de muitas praças, como é o caso da praça do Ferreira. Foi oficialmente instituída como praça em 1843.

CARACTERIZAÇÃO

A praça do Ferreira é conhecida como coração da cidade, pois possui uma centralidade caracterizada pelo forte fluxo de transeuntes e pela concentração comercial no espaço. É uma das mais belas praças do Centro de Fortaleza.   Acompanhou a expansão da cidade à medida que novas necessidades exigiam mudanças no espaço e os interesses dos sucessivos governos. Devido a essa permanência como espaço central, ainda hoje, a praça do Ferreira exerce enorme representatividade no Centro de Fortaleza.

 

 

 

BIBLIOGRAFIA

ADERALDO, Mozart Soriano. A Praça: comemorando a restauração da praça do Ferreira. 2ª ed. Fortaleza: Gráfica Editora. 1989.

BARBOSA, Renata Horn. Fortaleza: arquitetura e cidade no final do século XX. Dissertação (Mestrado). Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006.

PONTE, Sebastião Rogério. Fortaleza Belle Époque (1860-1930). 3ª ed. Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha/ Multigraf, 2001.

SILVA, Elizete Américo. Espaços públicos e territorialidades: as praças do Ferreira, José de Alencar e o Passeio Público. Dissertação (Mestrado). Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2006.

SILVA FILHO, Antônio Luiz Macedo e. A cidade e o patrimônio histórico. Fortaleza: Museu do Ceará/Secretaria da Cultura e Desporto do Estado do Ceará, 2003.

 

FONTES

VALE, Naara. O dia em que o cearense vaiou o sol. O Povo online, Fortaleza, 30/01/2012. Disponível em: <https://www.opovo.com.br/app/opovo/vidaearte/2012/01/30/noticiasjornalvidaearte,2775144/o-dia-em-que-o-cearense-vaiou-o-sol.shtml>. Acesso em: 19 de jan./2016.

O SOL recebeu tremenda vaia. O Povo, Fortaleza, 30/01/1942. Disponível em: <https://www3.opovo.com.br/extra/OITD_19420130aa06.pdf>. Acesso em: 19 de jan.2016